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sexta-feira, 8 de novembro de 2013

VERMELHO AMARGO na XV Mostra Sesc Cariri de Culturas


As apresentações de VERMELHO AMARGO na Mostra Sesc Cariri foram confirmadas:

10 de novembro, domingo, às 21h
No Teatro Adalberto Vamozi – SESC Crato
Em Crato

11 de novembro, segunda-feira, às 20h
No Teatro Marquise Branca
Em Juazeiro do Norte

<<< INFORMAÇÕES COMPLETAS NO SITE DA MOSTRA: http://www.sesc-ce.com.br/
 

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

CRÍTICA - Um "Oratório" ou uma "Instalação"?


Cena de "Vermelho Amargo", direção Diogo Liberano. (Foto de Anna Clara Carvalho)


Bartolomeu Campos de Queirós era assim mesmo, um menino que gostava de contar histórias, alternar as falas e a estética das falas. Mas, a mais emocionante de todas elas, acaba de nos revelar em "Vermelho Amargo", uma visita à infância. Agora a sua história está no teatro Eva Herz, contada poeticamente nos fins de semana, lá naquela Cinelândia da Livraria Cultura, bem no coração da rua Senador Dantas. Bartolomeu adoraria a ideia.

Primeiro vamos descobrir quem são estes atores Daniel Carvalho Faria e Davi de Carvalho, que convidaram Diogo Liberano (nosso conhecido dos belíssimos "Sinfonia Sonho" e "Maravilhoso"), para trabalhar um texto tão volátil, difícil de conduzir enquanto arte teatral. Sim, fala-se da morte, da recordação, das lembranças da infância que machucam e enternecem. Mas fala-se também da alegria de ser criança.

Com Diogo Liberano na direção, e como ator - seu papel é ser uma espécie de "consciência guia" para os atores em cena. "Sigam-me!" - diz ele, insólito criador de surpresas. Mas insólito em que sentido?

Explicamos: o espetáculo se divide em duas partes: a primeira pode ser considerada um "oratório da família", de uma vida narrada, de seus amores, desamores... Davi de Carvalho e Diogo Liberano nos contam essa história, como se um jogral fosse, cada um conta um pedaço, acompanhados pela música de Felipe Storino (trilha sonora) e o canto de Gabriela Geluda, em um compasso de música sacra. Do outro lado da cena, Daniel Carvalho Faria dá o contraponto sentimental, carregando em cores sombrias a infância revivida, repetindo o texto que lhe foi lançado. É nessa introspecção do ator, nessa sua verdade de criança, que Daniel consegue burilar o sentimento que Campos de Queirós quer transmitir.

A segunda parte é mais lúdica: é o grande momento do insólito! A cenografia de Bia Junqueira se transforma, e o tapete vermelho do início é o que você quiser. A cenografia de Bia é uma verdadeira "instalação" de artes plásticas, dando ao espaço do teatro Eva Herz mobilidade e poesia. É neste espaço que o diretor brinca, atua e se diverte, divertindo também a plateia e os atores. O tapete vermelho do início, esse campo indefinido aonde se dá a narrativa heróica daquela infância quase epopeia (da fome, da sede, do desamparo) transforma-se em barco, vento, neve, abrigo, refúgio! Estamos na presença de uma instalação de artes plásticas, afinal!! Sim, naquela água/ neve eles mergulham, remam... viajam... e se transformam em pássaros, em anjos! A cena final é muito bonita, visualmente. E a iluminação de Daniela Sanchez brinca com os efeitos de cena. É quando a poesia se fortalece. Tudo com a colaboração de Vera Holtz (neste terreno também? Não sabia de sua veia poética. Há muito o que aprender entre os atores).

Mas vamos ao espetáculo. Ele rememora quintais, comidas, brincadeiras de infância, um pai contrariado, uma mãe morta, uma madrasta econômica. Sonhos? Quase nenhum. Mas ninguém pode impedir a uma criança de ser feliz! (Talvez nem mesmo aos meninos dos romances de Charles Dickens se pode impedir a felicidade!) Queirós e seus irmãos - uma autobiografia poética - tinham a companhia de seus iguais: do pátio encantado, da roça, do interior mineiro... É aí que Campos de Queirós encanta (e desconfio que a mão de Holtz andou aí). A narrativa de Bartolomeu é fragmentada, impulsiva, desenfreada e bela. Quem a escuta, a segue.

Os três atores, Daniel, Davi e Diogo (sim, Liberano também atua), narram com vivacidade e envolvimento a primeira parte. O que chamamos a "segunda parte", é quando o cenário de Bia Junqueira se desdobra, mostrando o seu poder de imaginação: tenda, barca, anjo, luar... passeios, brincadeiras, tudo se reflete naquele espaço/ pluma, espaço/ neve. É quando texto e ação se encontram, é quando o espetáculo atinge a sua plenitude. 

Não se trata de um espetáculo fácil de assistir. Ele se dirige, muito especialmente, às almas que comungam - como o autor e seus criadores - da beleza da língua, e da expressão poética. É uma festa. Bartolomeu Campos de Queirós, esse nosso companheiro nas contações de história, esse mineiro que amava o Rio de Janeiro deixa, neste espetáculo regido por Diogo Liberano, a sua melhor despedida. Sua alma simples e poética está toda ali, revelada. Ah! Esses poetas mineiros! Ah! essa Minas Gerais de tantos poetas! (deixemos seus horríveis políticos de lado!)

Para quem não assistiu, ainda há tempo. Preparem-se para percorrer os labirintos da poesia na adaptação de Dominique Arantes e Diogo Liberano. Figurinos de Julia Marini. Direção de Movimento, Caroline Helena. Preparação Vocal, Verônica Machado. Realização: companhia aberta e Travessia Produções.

Por Ida Vicenzia
 

terça-feira, 13 de agosto de 2013

LEITURAS DRAMATIZADAS de outros romances de Bartolomeu Campos de Queirós

Hoje, terça-feira, 13 de agosto de 2013, começou mais um ciclo de leituras dramatizadas de outras obras de Bartolomeu Campos de Queirós. Elas acontecem na Livraria Cultura, localizada no centro do Rio de Janeiro, também onde fica o Teatro Eva Herz, onde estamos em cartaz até o final do mês de agosto.

O projeto das leituras dramatizadas foi uma forma encontrada, paralelamente à temporada do espetáculo VERMELHO AMARGO, de disseminar ainda mais a leitura e a obra de Bartolomeu Campos de Queirós. Convidamos alunos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, alunos do curso de Direção Teatral, e também atores de larga experiência no mercado de trabalho. Juntos, cada aluno dirigiu um ator, tendo sido orientado por uma professora também da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Confiram as datas abaixo e venham conhecer outras obras de Bartolomeu. A sempre entrada é franca e a classificação indicativa é livre.



terça-feira, 30 de julho de 2013

CRÍTICA - O teatro refinado da excelente literatura



A peça “Vermelho Amargo” parte do livro homônimo com elogiosa e merecida reverência. Diogo Liberano e Dominique Arantes, que assinam a adaptação do romance de Bartolomeu Campos de Queirós (1944-2012), parecem saber que, no caso desse trabalho, há pouco para o teatro fazer que não curvar-se. Escrito um ano antes de seu falecimento, o livro ratifica o pertencimento do escritor mineiro no grupo das grandes letras brasileiras, ele que é mais conhecido por suas obras infanto-juvenis. Em “Vermelho Amargo”, ao longo de sessenta páginas, o leitor tem outro tipo de literatura: trata-se de um conto alargado, cuja estrutura é vertical e bastante lírica, nas quais o narrador protagonista desvenda suas memórias em relação à mãe. Interpretado por Daniel Carvalho de Faria, por Davi de Carvalho e por Liberano, dirigidos pelo último com assistência de Arantes, a peça é uma boa viagem através das imagens, das texturas, dos sabores, dos cheiros e dos sons de Queirós, que resulta num todo harmônico, potente e bastante rico. Em cartaz na Sala Multiuso do Sesc Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro, o espetáculo vale a pena ser visto sobretudo por homenagear um autor bastante importante cuja obra é tão fundamental. 

O erro que normalmente acontece com adaptações de Caio Fernando Abreu e de Clarice Lispector não aconteceu aqui (como recentemente também não em uma peça a partir de um conto de Ronaldo Corrêa de Brito). Assim como é possível enxergarmos um certo “exagero de teatralidade”, que acabam por se tornar assinaturas estéticas de certos encenadores (Bob Wilson, Gabriel Villela, João Falcão, Zé Celso, por exemplo), também alguns escritores têm uma caligrafia literária muito peculiar. Em “Vermelho Amargo”, as palavras que constroem as frases são ganchos sensoriais bastante fortes: o gosto, o som, a textura das coisas se engendram construindo significados muito ricos, porque muito delicados. Ele escreve como se esculpisse detalhe por detalhe, deixando o texto exigir um tipo de leitura que deve ser atenciosa, lenta, paciente. Daí o mérito da humildade de Liberano e de Arantes em trazer para o palco essa estrutura que, na sua atualização primeira, já é pesada. Há pouco movimento, quase nenhum gesto, os tons de vozes são baixos, as entonações regulares, os olhares próximos do neutro. No palco, uma vastidão vermelha dá lugar para o branco (Bia Junqueira), enquanto o narrador veste cores escuras (Julia Marini), a trilha sonora é repetitiva ao ponto de desaparecer (Felipe Storino) e a iluminação (Daniela Sanchez) é sóbria. Positivamente, tudo se curva para a força das palavras e, nessa reverência, torna-se grande. 

O mote da narrativa é o como a madrasta do protagonista corta o tomate. Essa imagem vai se tornando cada vez maior, porque vai ganhando mais importância sobretudo quando é lembrada a forma como a mãe já falecida tratava os alimentos. Sempre que se fortalece positivamente a imagem da mãe, fortalece-se negativamente a figura da madrasta e, nesse vai e vem, o protagonista diz de si mesmo, sua visão de mundo, de suas relações com outros familiares, com o amor. Diferente da crônica, que é um recorte horizontal, o fluxo narrativo do conto é vertical. A ênfase não está nos fatos, mas na profundidade dos acontecimentos. Daí que o modo como uma mulher corta uma fruta tem tanta valorização. Na peça “Vermelho Amargo”, o fino carpete vermelho é cortado, mas felizmente o gesto não serve como ilustração. Tudo o que acontece em cena parece funcionar como respiro para as imagens que se constroem na audição do texto, como um ballet que não canta a música da melodia, tampouco a retrata, mas dá a ver algo que, porque visto, auxilia na imagem do que é ouvido. 

O movimento da narrativa é pesado, lento e interessante e exige uma plateia atenta, refinada, com ouvidos sutis. “Vermelho Amargo”, em cada parte, enobrece o teatro quando e porque coroa a literatura. 

Por Rodrigo Monteiro

CRÍTICA - A ausência em jogos para brincar



Vermelho amargo encena uma adaptação do livro homônimo do mineiro Bartolomeu Campos de Queirós, escritor de literatura infanto-juvenil falecido em 2012, que ofereceu neste seu último escrito uma forma que não se deixa classificar facilmente em uma linha de continuidade, mas sim como uma literatura com a força daquilo que brota inesperadamente. Uma novela repleta de figuras de linguagem e de lirismo que expõe a rememoração do sofrimento causado pela perda prematura da mãe sob a perspectiva do adulto em que predomina um olhar melancólico como paradigma para uma expressão própria do mundo. O eixo narrativo está balizado pelo modo de ser da mãe, como ela se comportava e pelo que ela dizia – o que é desenvolvido em detalhes. O encontro com o poético é fundado pela relação de antítese entre o modo como a mãe e a madrasta (duas mulheres) cortavam tomates.

A novela de Bartolomeu nos aproxima (e isso não quer dizer que ele se filia) de muitas outras criações que se baseiam no movimento que o luto impõe. O modo fragmentário e fulgurante das memórias em Vermelho amargo criou a disposição para uma leitura inventiva na encenação que não procura resolver as ausentes relações de causa e efeito no texto. Lembro que no livro Ulysses de James Joyce – mais comentado do que lido justamente por sua linguagem reconhecidamente difícil – enquanto sonhava com mundo livre de Stephen Dedalus (personagem que vinha em transposição e continuidade de O retrato do artista quando jovem), fui retida pelo choque causado com o deboche afetivo de seu amigo Buck Mulligan. Este o lembrava do sentimento de culpa pela morte de sua mãe – o herói teria se negado a ajoelhar e rezar na beira do leito de morte dela. Por semanas não foi possível chegar ao senhor Bloom, presa que estava no fantasma da mãe de Dedalus enquanto ele caminhava na praia da baía de Dublin. Montei e remontei várias vezes esta sequência em meus devaneios. Talvez, esta memória retida do personagem de Joyce seja uma das causas da fragmentação narrativa e, também, da necessidade de se haver com cada detalhe do dia do protagonista Bloom em seu passeio pela cidade.

A atual encenação de Vermelho amargo, idealizada e produzida pela Companhia Aberta e dirigida por Diogo Liberano, protagoniza o lugar retido da memória, mas indicando ao mesmo tempo como a memória pode ser particularmente motivadora daquilo que nos coloca em movimento. Este lugar de retenção como princípio para a dramaticidade, nos leva à sensação de que existe uma infinidade de possibilidade para lidarmos com os acontecimentos de nossas vidas, sobretudo os marcantes. O modo como a encenação está especialmente dirigida ao público reforça o sentimento de um endereçamento, ou talvez o de uma convocação para que o sentimento de ausência seja ultrapassado, na medida que possa ser experimentado e, no caso, mais especificamente, brincado.

A narrativa de memória foi distribuída por dois personagens-meninos (Davi de Carvalho e Diogo Liberano) que alternam os enunciados poéticos escolhidos e articulados pela adaptação, realizada em conjunto por Diogo e Dominique Arantes, que também assina a assistência de direção. Daniel Carvalho de Faria faz pontuações situadas em outra temporalidade que parece criar um campo reflexivo que atravessa as outras duas expressões. A adaptação optou por duas operações básicas: o recorte de algumas tramas e a reordenação da sequência de parágrafos que, segundo Diogo, mantiveram o mote original na intenção de fazer saltar ao espectador uma trajetória de amadurecimento.

A encenação privilegia o brincar infantil a exemplo de pequenas decisões existenciais como modo de superação, ou mais especificamente, como proposição de uma soma de escolhas que dão volume à sensibilidade e à crítica do texto. A infância aparece como uma constelação de gestos que sinalizam uma perspectiva e uma forma de manipulação e de percepção do mundo distinta das formas estabelecidas e reconhecidas por nós (e podemos ler aqui, adultos) de aproximação dos objetos e da linguagem. No jogo se brinca com o mundo, e então entendemos que o jogo contém uma instância de crítica do mundo, já que destrói as formas prontas e as reconstroem de outros modos.

A estrutura cenográfica criada por Bia Junqueira se desdobra em uma mandala que tanto emprega em sua visualidade, quanto possibilita em seu manejo pelos atores uma transformação das aparências (própria do jogo infantil), traduzida na corporalidade dos atores e na plasticidade da cena. A forma é a aparência – o que pode ser visto –, é a superfície com a qual se brinca, atividade que utiliza a disponibilidade formal do objeto mais do que de seu sentido determinado, assim como o corpo dos atores que é plasmado de acordo com as superfícies de contato no momento. Mas justamente por essa manipulação transformadora não existe uma expressão de cunho positivista, talvez um remetimento aos modos com que as proposições de Lygia Clark queriam afetar o público.

Se a percepção infantil é plasmada de acordo com a materialidade, os sentidos resultantes da brincadeira não são definitivos, se dão a cada momento, a cada novo brincar, a cada novo esconderijo. A relação da infância com a história (com o transcorrer dos fatos/coisas) não é a de uma sucessão ou de acúmulo, mas de instabilidade que gera renovação de sentidos atravessados pela experiência corporal com o material. A consciência ativada é imaginante, o sujeito não está separado do objeto. Assim, os atores se desvelam junto ao objeto por meio de imagens que produzem.

Tal intenção formaliza uma atuação de vigor poético em que a linguagem é manifesta nos gestos, como se ela pertencesse à própria matéria do brincar, dos objetos, dos corpos, ao mesmo tempo em que nos oferece sua invisibilidade. O que se revela como invisível se instala pela própria prosa poética que transita pelos dois atores como expressão imaginativa e como aspereza, ou em uma espécie de atrito com as palavras em sua concretude. Outra alusão ao que não se pode tocar, mas que formaliza o luto, é o movimento nervoso, rápido, que tenta ganhar um ponto de fuga, que tenta uma saída – um desfazimento que enfrenta o sensorial.

Dinah Cesare é teórica do teatro, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (EBA- UFRJ) dentro da Área de Teoria e Experimentações em Arte na Linha de Pesquisa Poéticas Interdisciplinares e mestra em Artes Cênicas pela UNIRIO.

Por Dinah Cesare

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Última Semana no Espaço Sesc


CRÍTICA - Subjetividade com recortes oníricos


Subjetividade com recortes oníricos

O romance de Bartolomeu Campos de Queirós, que deu título e originou a montagem em cartaz na Sala Multiuso, é traçado em imagens afetivas com sabor de colorido simbólico e fatiada em cortes oníricos afiados. O percurso das palavras do autor para reaver sentimentos, como o de perda da infância, o desaparecimento da mãe, o esfacelamento dos laços fraternais e a distância paterna, é temperado pelo fruto sangrento da solidão e da passagem do tempo. Nesta imersão em lembranças e subjetividades ressalta o lirismo levemente ácido de uma literatura confessional que Diogo Liberano adaptou e dirigiu, capturando o aspecto imagístico da literatura para estabelecer a conexão narrativa. A versão teatral do romance procura criar uma poética cênica, em que o literário se inflexiona como figura, deixando o dramático em segundo plano, em favor da construção da palavra desenhada. O trio de atores – Daniel Carvalho Faria, Davi de Carvalho e Diogo Liberano – estabelece diálogo com a interpretação como traço, esboço para dar forma ao dito, sem emprestar-lhe intencionalidades explícitas. O que se apropria da escrita é o seu contorno físico, próximo ao sensorial, convertida em forma e movimento que desloca o eixo da ação interior para desdobrar, em abstrato, as camadas narrativas. Neste sentido, a cenografia de Bia Junqueira funciona como uma coautoria com a direção. O piso vermelho, que de início recobre a cena, se revela uma mandala de círculos concêntricos, que se transforma em parangolé. Outra camada do piso fica a descoberto, em seguida, quando se avolumam arestas para que, ao final, surja um quadro ilusório. Mais do que um impactante efeito estético, uma inteligente leitura visual do texto. 

Por Macksen Luiz
 

CRÍTICA - Panorama afetivo distante da linearidade

 
Davi de Carvalho e Daniel Carvalho Faria em Vermelho Amargo (Foto: Anna Clara Carvalho) 

Bartolomeu Campos de Queirós não é biografado na dramaturgia de Vermelho Amargo, que, liberta de uma concepção convencional pautada pelo encadeamento linear dos fatos, evoca o doloroso confronto com as emoções infanto-juvenis atravessadas pela morte da mãe. O desafio da encenação de Diogo Liberano está em materializar no palco a carga poética do escritor mineiro.

Como atores, Davi de Carvalho e o próprio Liberano procuram dimensionar o modo como Queirós se apropriou dos acontecimentos no momento em que os estava experimentando, instância entrelaçada com a de Daniel Carvalho Faria, que se refere às vivências já administradas devido ao distanciamento temporal. A determinação em fazer jus à intensidade das experiências levou ao investimento numa cena algo expansiva, excessiva, perceptível na movimentação dos dois primeiros atores e na quase onipresença da trilha sonora de Felipe Storino que potencializa o universo do escritor para além da mera esfera cotidiana.

O mundo de Bartolomeu Campos de Queirós não é transportado de forma óbvia, literal. Bia Junqueira projetou uma superfície que, desvelada no decorrer da encenação, revela um material que remete ao caráter lúdico da infância, perspectiva tensionada na escrita do autor, de travo amargo. A instigante criação cenográfica pode suscitar no público um desejo de proximidade maior em relação à cena, por mais que o espetáculo esteja sendo apresentado em espaços intimistas (a Sala Multiuso do Espaço Sesc e, em breve, o Teatro Eva Herz) e que as marcações privilegiem a disposição frontal. A iluminação de Daniela Sanchez inunda o palco com a passionalidade do vermelho sem perder de vista a individualização de cada ator. Os figurinos de Julia Marini oscilam entre certa abstração (roupas feitas de retalhos de panos) e a concretude (traje próximo do dia a dia), demarcando os patamares distintos nos quais se encontram os atores.

Apesar de reunidos no mesmo plano, Davi de Carvalho e Diogo Liberano não seguem exatamente um registro interpretativo equivalente. Enquanto o primeiro imprime um acento poético, o segundo atrita, de maneira interessante, com a refinada construção literária da obra ao optar por um tom informal. Em nível discreto, Daniel Carvalho Faria contrasta com a agitação física dos outros atores e aborda o texto por via mais serena.

Por Daniel Schenker

segunda-feira, 8 de julho de 2013


Segunda, 8 de Julho

Simone, Bayron, Regina, Felipe, Ricardo, Rafael, Berenice, Lucas, Luiza, Maria, Raquel, Bruna, Diogo, Davi, Daniel.

Após as devidas apresentações, falamos de Bartô e sua obra, do processo de concepção do espetáculo Vermelho amargo e de como serão nosso próximos 04 dias de encontro e investigação.

O presente de Vera Holtz (várias obras do Bartô) foi colocado no chão e degustado por todos. Cada participante escolheu uma obra e levou para casa, junto com o texto A Morte do Autor, de Roland Barthes.

Começamos nossa oficina Dramaturgia Cênica! Bem vindos!

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Segunda, 1 de Julho

Muito a resolver
Hoje montagem de luz e cenário
Ajustes finais do figurino
Quinta versão do textomfechada
E impressa
Convidados
Ensaio e mais ensaio, sem essa
Até a sexta estaremos buscando
A poesia do Bartô
E mesmo depois
Me pergunto
Como desdobrar poesia
Diariamente?
Pela frente
9 semanas em cartaz no Rio de Janeiro

Que seja uma viagem boa
E longa
Será.
Vai ser.
Há de ser.

Vamos juntos.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

terça-feira, 25 de junho de 2013

hoje o cenário chegou

como pode, não?
caminhar tanto tempo - em processo - sobre o desconhecido
sobre o espaço vazio
tal qual uma tela
cujo pintor ansioso
vaga
e vaga
sem pingar uma gota de tinta sequer

hoje o cenário chegou
um tabuleiro imenso
de 5 metros
por 5 metros
uma arena quadrangular
cheia de quinas
adesivos
carpetes
cordas
pregos
e grampos

uma cova rasa
amarga
da qual fazer-emos
a poesia nascer

como pode?
a uma semana da estreia
parir um filho
cuja feição

sem dúvida alguma

será desconhecida
completamente desconhecida.

há que se experimentar a dor
para só depois
bem experimentar o prazer.

assim espero
assim espero
...

Daqui a uma semana... no RJ


Daniel Carvalho Faria e Davi de Carvalho
Foto de Anna Clara Carvalho

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O Tomate

"O Tomate é boa fonte das vitaminas A, B e C, e de sais minerais como Fósforo, Ferro, Potássio e Magnésio. A vitamina A é indispensável para a normalidade da vista, mucosas e pele, auxilia o crescimento e evita infecções. As vitaminas do Complexo B ajudam na regularização do sistema nervoso e aparelho digestivo, tonificam o músculo cardíaco, colaboram para a pele e para o crescimento. Já a vitamina C, principal componente do tomate, resistência aos vasos sanguíneos, vitalidade às gengivas, evita a fragilidade dos ossos e má formação dos dentes, contribuindo no combate a infecções e cicatrização de ferimentos.

A cor, a firmeza e a sanidade são as características mais importantes na hora da compra. Os frutos devem estar mudando do verde para o maduro, para conservá-los em casa por mais tempo.
Evite comprar os frutos  verdes, com furos, manchas ou ferimentos. "

fonte: http://www.feagri.unicamp.br

As vírgulas do romance



Hoje, após mais um estudo-leitura do texto com Diogo, Davi e Dominique, fiquei pensando sobre algumas coisas do texto, da pontuação, da estrutura e de que forma ela cria paralelos com o universo de temas que estamos discutindo e refletindo. Fazendo os nossos 'apêndices'. "Vermelho Amargo",

Um universo cheio de vírgulas, de interrupções. A vírgula é a tradução visual de coisas interrompidas, ditas como a memória sabe fazer, por meio de surtos. A poesia se presta a esse tipo de apreensão. Até mais do que a prosa, com o seu fio contínuo.

sábado, 8 de junho de 2013

pausa

em meio compasso
para o quê, exatamente?

para nutrir vida
no compasso acelerado
da criação.

sem rima,
assim mesmo
sem sofrimento

como compor a composição?

dando tempo ao intento

se intenciona tanto
que se perde o desejo

mais tranquilo
certo
não por certeza
mas por inevitável bondade
do tempo

ir
seguir
continuar
movido à dúvida
munido de desesperança
na crença do seguro

presença

sobre o quê?

presença
escorrendo
lenta
através dos corpos
debilitados

dos corpos vivos
cosidos
cortados
expostos
sinceros

e desesperados.

há que nascer!

poesia.
há que nascer
aporia.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

agora

não debruçado em janela
mas para fora de si mesmo
ao mesmo tempo
para dentro
debruçado para dentro
para encontrar a busca
que já faz tempo
orienta os olhos
e preenche
os silêncios.

este processo me puxa
sempre
ao verso
ao reverso
o verso do verso
o que há dentro

sabe?
o papo do dói
do dói muito
a língua se enrola
e redescobre o mundo
miúdo
morando dentro
do medo
descoberto.

são 30 manhãs e 30 noites
até lá
amadurecer.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Divagações sobre o VERDE, VERMELHO e AMARGO


Especulações levadas no nosso ultimo ensaio.

A partir do recorte do espaço, temos um tabuleiro onde os atores jogam o romance. Preferi chamar de um quadro, uma tela, onde se começa a traçar, riscar, pintar com os corpos e palavras o que Bartolomeu escreveu em seu livro. Voltamos à Pollock.  Assim, o espaço da cena, vira espaço onde se explode esse romance, não o ficcionalizando, mas usando o mesmo como dispositivo para os atores o expressarem de outras formas. Assim, a tela no chão, torna-se um espaço de experiência, onde o ator é capaz de, à principio, finalizar seu afeto  a cada tentativa. É uma questão de escolha clara. Existe um distanciamento dessa história, e ao mesmo tempo uma tentativa de torna-la expressa de alguma forma. Porém, a ideia é que, em nossa dramaturgia_ a da encenação, ou seja, em nossa escrita cênica_ essa possibilidade de distanciamento, de anular e recomeçar o jogo, a experiência, vá se tornando cada vez mais impossível, traçando uma progressão onde as palavras do Bartolomeu, expostas pelos próprios atores, os afetem num nível em que não seja mais possível sair dessa tela, já tão riscada. Na verdade, quando as palavras e o corpos já riscaram tanto o espaço, o risco começa a acontecer nos próprios corpos, e ai, fica mais difícil findar o jogo.
Para iniciar essa escrita, o VERDE, nosso primeiro movimento, surge como um primeiro contato dos atores com essa história. Os atores, que decidiram experienciar o romance, entram e saem desse espaço de forma livre e sem problemas. A expressão do VERDE, parece-me, a mais distanciada de todas. Assim, o corpo rabisca só com gestos (não ação).  Enquanto um narra, o outro “sofre” a palavra (expressa com o corpo). Não há afeto. E sim, expressão. É um movimento para o fora. Eles ainda não se tocam, pois não há necessidade. Assim, como o quadro referência desse 1° movimento (High Society In Top Hats Relaxing, Malevich ) , é um movimento que desenha no espaço, esboça com traços leves aquela história, mas não se aprofunda. É um movimento chapado e leve.
Ao chegar ao VERMELHO, as palavras do romance começam a tomar outra proporção, e assim, começam a penetrar mais nos próprios corpos dos atores, que por vezes, tocam-se para manterem-se firmes no jogo. Como o quadro do Miró, o corpo e a fala se duplicam, triplicam, e tomam todo o espaço. Com pequenos pontos mais concentrados de cor. Os acontecimentos se ligam, criando caminhos e sequencias. Há, na medida em que a narrativa vai saindo de uma apresentação mais distanciada, a presença de corpos e discursos mais afetados. E os corpos começam a ser mais “violentos” no seu rabisco no espaço, ainda que de forma sutil.
O quadro do Mondrian, nos traz uma concentração de cor em cada quadrado. Assim, as cores mergulham para dentro delas mesmas, sem fuga. Para fugir, é preciso romper as arestas que a prende ali. O AMARGO seria então, essa concentração de tudo que se foi, onde há dificuldade de romper essas arestas. E, ao mesmo tempo, há necessidade de que isso aconteça, para que os atores “sobrevivam” à narrativa. Assim, nessa tentativa, o rabisco no espaço, que lá no VERDE começa tímido, somente com gestos, já é um enovelar entre corpos e falas. As falas são roubadas e os corpos vivenciam novamente o que já se foi e se dão colo.  “Respiram” ali dentro mesmo, já sem conseguir se distanciar do quadrado _ tela, quadro, história _, tomado pelos rabiscos dos corpos, que fazem os atores estarem ali mergulhados a todo instante.  

Logo:
Verde
Um narra enquanto o outro expressa com o corpo ( e vice versa)
Só se utiliza gestos
Não há contato
Saídas inúmeras do quadrado
A ação do outro pouco afeta

Vermelho
Duplicação de narrativas
Duplicação de expressão com o corpo
Presença do Toque (contato)
Utilização de gestos+ ação
Manifestação sucinta de uma pequena dificuldade de findar o jogo ( sair do quadrado)
A ação do outro afeta, mas ainda consegue-se  não ser tomado.

Amargo
Contato constante tornam-se quase enovelados
Gestos + ação que não se findam
Dar colo ao outro                           
Impossibilidade de sair do quadrado.
A ação do outro interfere e modifica o lugar.
Pequenos blocos de concentração.

Enfim,

Especulações levadas no nosso ultimo ensaio.

domingo, 26 de maio de 2013

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Sem o colo da mãe


"Essa menina perdeu a mãe na guerra,
No pátio do orfanato, desenhou-a com giz e
aconchegou-se num colo que não existe mais,
deixando fora as sandálias para respeitá-la,
como manda a cultura oriental,
ao se entrar num lugar santo."


Mãe, beija aqui!



quarta-feira, 22 de maio de 2013

"Adulto: pessoa que em toda coisa que fala, fala primeiro de si”


Palavras-Júlia 2

Palavras Sonoras

Debruçado
Aliviar
Pele
Beijo
Atravessar
Mãe
Aroma
Amora
Arco-íris
Menino
Luar
Martelar
Embalava-me
Amores-perfeitos
Sacrificado
Sustância
Melancolia
Jabuticabas
Tripas
Miúdos
Crepúsculos
Compaixão
Irmanado
Ensaboava
Matemáticas
Rabiscado
Mar
Alegria


Palavras ícones

Unhas
Cabelos
Ossos
Fogo
Terra 
Água
Ar
Faca
Tomate
Bicicleta
Espelho
Casas
Cruz
Pipoca
Circo
Prisioneiro
Livro
Violoncelo
Coração
Torneira
Anjos
Garfo
Bife
Tesoura
Estrelas
Galinha
Trem
Vidro
Lágrimas
Sombrinha
Gato
Igreja
Fotografia
Escola
Triturador



terça-feira, 21 de maio de 2013

Palavras-Júlia




Palavras Sonoras

Maio
Pele
Afastadas
Futuro
Amanhã
Espremido
Cimento
Amor
Semente
Amora
Alma
Aturdido
Limo
Manchas
Pipoca
Violoncelo
Frio
Emanava
Pássaro
Auscultar
Miúdo
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domingo, 19 de maio de 2013

“Pássaro da Liberdade” (1975) óleo sobre madeira de Clarice Lispector



A cor da romã

Uma referência para o processo criativo.

1-  http://www.youtube.com/watch?v=glsytnUdt-E&list=PL9F299E1417699767

2- http://www.youtube.com/watch?v=7Mnc10CCXEs&feature=player_embedded#at=24


Sergei Paradjanov (1924-1990) foi um dos cineastas mais polêmicos da antiga União Soviética, mais especificamente da Geórgia, uma de suas repúblicas. Nascido em 1924, filho de armênios, o cineasta estudou pintura e canto, viveu muitos anos em Kiev, onde começou a ter problemas com a polícia e a censura.

O cineasta chegou a fazer mais dois filmes até sua morte por infarto em 1990. Mesmo com uma rica história de vida e ótimas obras, Paradjanov é praticamente desconhecido no Brasil. Seu trabalho em "A Cor da Romã" faz jus à denominação filme de arte.

Não narrativo, o filme é uma série de quadros, imagens e evocações de vários momentos da vida e obra do trovador armênio Sayat Nova. Toda a sua vida, desde a infância, passando pela residência leal, o convernto e até a sua morte, é mostrado na tela através de poemas seus.

O tempo em A Cor da Romã é o da crise existencial, não apenas a do artista que encontra na poesia uma forma sublime de expressão, mas a do próprio cinema que procura um espaço para sobreviver. O filme de Paradjanov encontra este espaço na encenação teatral, como a do corpo que encontra levemente o tecido da roupa, nós encontramos a tela e dela emerge uma história que sobrevive a partir do que sentimos – não se trata de uma proposta intelectual.


O diálogo com o espectador se estabelece também como profundidade de campo quando na cena em que livros velhos são espalhados no telhado vemos o poeta menino em meio a eles, o som das páginas ao vento é a única expressão sonora. Algo neste plano nos diz que o personagem (personificação da arte) sobrevive ao peso da história. Há uma ideia similar no plano em que a mão do poeta menino é pressionada embaixo de outros livros pela mão de um homem mais velho. Sergei Paradjanov recorre a uma representação “arcaica”, por assim dizer do teatro e da pintura, para evocar um cinema que pretende ser jovem, e com todo o cuidado da palavra, ser ele mesmo. É preciso coragem para realizar um filme como A Cor da Romã, assim como para assisti-lo, pois é o encontro com a tela que nos permite entender a liberdade.

Não é um filme fácil e dá para entender o motivo da ausência de mensagem política, ou seja, é um filme que tem a linguagem do sonho e sua pintura é, por vezes, quase surrealista. Basicamente, uma fita de vanguarda de um cineasta maldito.

Secreto, dentro de mim.

http://www.iberescena.org/phpThumb.php?src=imagen2/image/1368702957-a92fa2_f20a74c00cb2bbcdc7866740b27ffb2f_jpg_srz_980_1245_75_22_0_50_1_20_0.jpg&w=560&q=100

segunda-feira, 13 de maio de 2013

terceiro movimento _ AMARGO



Composition with red yellow blue and black

Pieter Cornelis Mondrian, geralmente conhecido por Piet Mondrian (1872 - 1944) foi um pintor holandês modernista.

segundo movimento _ VERMELHO


El bello pajaro descifrando lo desconocido a una pareja de enamorados

Joan Miró i Ferrà (1893 - 1983) foi um importante escultor e pintor surrealista catalão.

domingo, 12 de maio de 2013

primeiro movimento _ VERDE



High Society In Top Hats Relaxing

Kazimir Severinovich Malevich (1878 - 1935) foi um pintor abstrato soviético. Fez parte da vanguarda russa e foi o mentor do movimento conhecido como Suprematismo.
 

Maio de Manhãs Quentes e Vivas

curioso
é maio
é manhã
dia das mães
e diferente do romance
nada é assim tão seco
nem tão frio
quiçá morto

maio mês das mães
maio dia das mães

maio mês em que o autor
perde a sua mãe?

não é difícil de entender
em que mês se anuviou
sua vida

mesmo em maio
com manhãs
secas e frias
ele é tentado
a mentir-se

para fazer sobreviver
sua poesia
sua ousada
e já descolada dor
...

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Sobre o tempo...

Talvez o tempo não seja apenas corrosão, mas um bom e delicado anfitrião que nos acolhe antes da queda inevitável.

verde

primeiro ato
ou movimento

é a chegada
(esquece o prólogo
o epílogo)
o verde é o começo

por quê?
porque a grama era verde
eu lembro
do quintal
das árvores que desafiavam meu tamanho pequeno
o verde é o princípio
porque era a cor da casa da avó
não das paredes
mas das plantas
verde é a cor do cheiro

depois
depois eu descobri o princípio de um preto
(ainda sem nome)

verdes eram as mangas que parecem cair do céu
verde cor de sapo

verde cor de dentro
do embaraço em não saber nada
além de uma duas três quatro verdes
palavras.

jogo verde
escorrendo o gramado abaixo
verde tanto
que jogava sabão em pó na ladeira gramada do jardim
molhava com água
e escorregava sem fim
entre formigas e gramas
aos pedaços

verde até o dia em que ralei o joelho
na mesma grama verde
do quintal-palácio

ai foi quando nasceu o vermelho
vindo de dentro

o joelho lascado
mesmo com beijo da mãe (que não lembro se veio)
era vermelho
não era verde

e eis então
que começa o segundo ato
o segundo movimento
o arco se faz, enfim
dramático

quarta-feira, 8 de maio de 2013

dramática,


após quase um mês em sala de ensaio
eis que me surpreendo
olhando o óbvio
ainda não todo observado

a ação deste espetáculo
está no amadurecer

tanto da nossa obra
quanto do nosso ser

ama-dure-cer
ama-dure-ser
ser duro
amar se
ama ser
dure ama
duro ser

---

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Figuras de linguagem


As figuras de linguagem são recursos que tornam mais expressivas as mensagens. Subdividem-se em figuras de som, figuras de construção, figuras de pensamento e figuras de palavras.

Figuras de som

a) aliteração: consiste na repetição ordenada de mesmos sons consonantais.
“Esperando, parada, pregada na pedra do porto.”

b) assonância: consiste na repetição ordenada de sons vocálicos idênticos.
“Sou um mulato nato no sentido lato
mulato democrático do litoral.”

c) paronomásia: consiste na aproximação de palavras de sons parecidos, mas de significados distintos.
“Eu que passo, penso e peço.”

Figuras de construção

a) elipse: consiste na omissão de um termo facilmente identificável pelo contexto.
“Na sala, apenas quatro ou cinco convidados.” (omissão de havia)

b) zeugma: consiste na elipse de um termo que já apareceu antes.
Ele prefere cinema; eu, teatro. (omissão de prefiro)

c) polissíndeto: consiste na repetição de conectivos ligando termos da oração ou elementos do período.
“ E sob as ondas ritmadas
e sob as nuvens e os ventos
e sob as pontes e sob o sarcasmo
e sob a gosma e sob o vômito (...)”

d) inversão: consiste na mudança da ordem natural dos termos na frase.
“De tudo ficou um pouco.
Do meu medo. Do teu asco.”

e) silepse: consiste na concordância não com o que vem expresso, mas com o que se subentende, com o que está implícito. A silepse pode ser:

• De gênero
Vossa Excelência está preocupado.

• De número
Os Lusíadas glorificou nossa literatura.

• De pessoa
“O que me parece inexplicável é que os brasileiros persistamos em comer essa coisinha verde e mole que se derrete na boca.”

f) anacoluto: consiste em deixar um termo solto na frase. Normalmente, isso ocorre porque se inicia uma determinada construção sintática e depois se opta por outra.
A vida, não sei realmente se ela vale alguma coisa.

g) pleonasmo: consiste numa redundância cuja finalidade é reforçar a mensagem.
“E rir meu riso e derramar meu pranto.”

h) anáfora: consiste na repetição de uma mesma palavra no início de versos ou frases.
“ Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer”

Figuras de pensamento

a) antítese: consiste na aproximação de termos contrários, de palavras que se opõem pelo sentido.
“Os jardins têm vida e morte.”

b) ironia: é a figura que apresenta um termo em sentido oposto ao usual, obtendo-se, com isso, efeito crítico ou humorístico.
“A excelente Dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças.”

c) eufemismo: consiste em substituir uma expressão por outra menos brusca; em síntese, procura-se suavizar alguma afirmação desagradável.
Ele enriqueceu por meios ilícitos. (em vez de ele roubou)

d) hipérbole: trata-se de exagerar uma ideia com finalidade enfática.
Estou morrendo de sede. (em vez de estou com muita sede)

e) prosopopeia ou personificação: consiste em atribuir a seres inanimados predicativos que são próprios de seres animados.
O jardim olhava as crianças sem dizer nada.

f) gradação ou clímax: é a apresentação de ideias em progressão ascendente (clímax) ou descendente (anticlímax)
“Um coração chagado de desejos
Latejando, batendo, restrugindo.”

g) apóstrofe: consiste na interpelação enfática a alguém (ou alguma coisa personificada).
“Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!”

Figuras de palavras

a) metáfora: consiste em empregar um termo com significado diferente do habitual, com base numa relação de similaridade entre o sentido próprio e o sentido figurado. A metáfora implica, pois, uma comparação em que o conectivo comparativo fica subentendido.
“Meu pensamento é um rio subterrâneo.”

b) metonímia: como a metáfora, consiste numa transposição de significado, ou seja, uma palavra que usualmente significa uma coisa passa a ser usada com outro significado. Todavia, a transposição de significados não é mais feita com base em traços de semelhança, como na metáfora. A metonímia explora sempre alguma relação lógica entre os termos. Observe:
Não tinha teto em que se abrigasse. (teto em lugar de casa)

c) catacrese: ocorre quando, por falta de um termo específico para designar um conceito, torna-se outro por empréstimo. Entretanto, devido ao uso contínuo, não mais se percebe que ele está sendo empregado em sentido figurado.
O pé da mesa estava quebrado.

d) antonomásia ou perífrase: consiste em substituir um nome por uma expressão que o identifique com facilidade:
...os quatro rapazes de Liverpool (em vez de os Beatles)

e) sinestesia: trata-se de mesclar, numa expressão, sensações percebidas por diferentes órgãos do sentido.
A luz crua da madrugada invadia meu quarto.

Vícios de linguagem

A gramática é um conjunto de regras que estabelece um determinado uso da língua, denominado norma culta ou língua padrão. Acontece que as normas estabelecidas pela gramática normativa nem sempre são obedecidas, em se tratando da linguagem escrita.  O ato de desviar-se da norma padrão no intuito de alcançar uma maior expressividade, refere-se às figuras de linguagem. Quando o desvio se dá pelo não conhecimento da norma culta, temos os chamados vícios de linguagem.

a) barbarismo: consiste em grafar ou pronunciar uma palavra em desacordo com a norma culta.
pesquiza (em vez de pesquisa)
prototipo (em vez de protótipo)

b) solecismo: consiste em desviar-se da norma culta na construção sintática.
Fazem dois meses que ele não aparece. (em vez de faz ; desvio na sintaxe de concordância)

c) ambiguidade ou anfibologia: trata-se de construir a frase de um modo tal que ela apresente mais de um sentido.
O guarda deteve o suspeito em sua casa. (na casa de quem: do guarda ou do suspeito?)

d) cacófato: consiste no mau som produzido pela junção de palavras.
Paguei cinco mil reais por cada.

e) pleonasmo vicioso:  consiste na repetição desnecessária de uma ideia.
O pai ordenou que a menina entrasse para dentro imediatamente.
Observação: Quando o uso do pleonasmo se dá de modo enfático, este não é considerado vicioso.

f) eco: trata-se da repetição de palavras terminadas pelo mesmo som.
O menino repetente mente alegremente.


Por Marina Cabral
Especialista em Língua Portuguesa e Literatura

terça-feira, 30 de abril de 2013

óculos para neblina ~~

viste?
aceitar o medo
é a melhor escolha
para fazer nascer
poesia.

assim,
engatilhada
com verbos seguidos
esfomeados
por revelação
recém-aterrissada.

quanto mais impossível
mais se vislumbra
a possibilidade
de mudar o mundo

que seja o mundo
do estômago
do peito
da cova muscular
pranto.

"Para que serve o teatro?"


ARTE E POLÍTICA
Para o diretor do Schaubühne de Berlim, não há teatro sem investimento público e sem ancoradouro na sociedade. No artigo, ele analisa as condições “materiais e espirituais” de uma renovação do teatro, que sofre não só com a austeridade, mas também com sua própria tendência de se deixar levar pela ideologia dominante
por Thomas Ostermeier


(Cena de 100% Zurich, espetáculo do grupo alemão Rimini Protokoll)

Nas pretensas democracias ocidentais, a garantia do interesse geral obriga o Estado a aumentar impostos, cujo produto será redestinado a diversas instituições de acordo com o que elas consideram justo ou indispensável. Que me perdoem a banalidade deste preâmbulo, mas parece importante lembrar como a noção de missão pública se inscreve no próprio cerne de nossas sociedades, a fim de permitir aos indivíduos e aos grupos sociais... o que exatamente? Ser feliz? Fazer sucesso? Aprender? Abrir-se para outras ideias, outras pessoas, outros coletivos?

A marcha triunfal do neoliberalismo, iniciada em Chicago nos anos 1970 e acelerada pela queda do “socialismo real”, traduziu-se na desregulamentação dos mercados financeiros, mas também na privatização de serviços e de instituições que dependiam, até então, da esfera pública. Essa mudança de paradigma não é estranha à perda de legitimidade do teatro durante o mesmo período. Grande parte da esquerda da Europa ocidental, tradicionalmente cética em relação às instituições, para não dizer antiestadismo, encontra-se, então, na dolorosa obrigação de defender o Estado contra a ofensiva dos novos discípulos do mercado.

Quanto a mim, sonho com uma sociedade livre do jugo da propriedade privada, na qual os bens e as riquezas pertençam igualitariamente a cada um de seus membros. Infelizmente, estamos muito longe dessa utopia. E o que é pior, a ideologia do mercado faz a suspeita de totalitarismo recair sobre qualquer reflexão a respeito desse assunto. Até mesmo o princípio de uma redistribuição parcial das riquezas, estabelecida pela burguesia conquistadora nos séculos XVIII e XIX, encontra-se doravante em risco.

Pouco tempo após a criação do Reich, em 1870-1871, durante o período conhecido como “dos fundadores”, teve origem – ou pelo menos foi institucionalizado, portanto, delegado à responsabilidade do poder público – tudo o que está hoje gravemente ameaçado: os transportes públicos, as escolas, as universidades, as bibliotecas, os parques etc.Na época, a burguesia considerava o Estado como a expressão de sua força material e espiritual. Atualmente, ela só o vê como obstáculo à sua prosperidade. Os estabelecimentos culturais com financiamentos públicos, que outrora provocavam a arrogância das elites, perderam na mesma ocasião uma boa parte de sua legitimidade.

Na Alemanha, desde 1992, dezoito teatros tiveram de fechar suas portas ou se fundir. Diferentemente do que se faz na França, o financiamento da cultura pertence exclusivamente aos Länders [estados]eàs municipalidades. Apesar de Berlim se vangloriar de ser um paraíso para jovens artistas, seu orçamento para a cultura não excede 2% dos gastos públicos. Se considerarmos que a parte do teatro, inclusive a ópera, representa apenas 1,1% do orçamento (deste, 0,7% somente para o teatro), os debates sobre cortes orçamentários suplementares parecem extravagantes. As proporções não são mais gloriosas em Hamburgo, segunda cidade do país: 2,1% para a cultura, 0,9% para o teatro e a ópera. Uma rápida olhada na situação francesa indica que, em 2013, os gastos públicos previstos para a cultura estão sendo reduzidos em 4,3% com relação ao ano anterior.


Por uma outra história da sociedade

A burguesia lançou ao mar a ideia fundadora de uma representação de si mesma orientada para algo diferente da avidez pelo ganho, enquanto o ceticismo visceral – e com frequência justificado – das classes populares contra esses “templos burgueses” encontra-se em uníssono sem recursos. Há um ano e meio, um motorista de táxi de Amsterdã, ao saber que trabalho no teatro, me disse sarcasticamente: “Now it’s payback time!” (É a hora da revanche!). O novo governo acabava de iniciar uma operação de desertificação inédita na paisagem cultural holandesa.

É esse o clima que se propaga, hoje, na Europa. Perceptível em graus variados em todo o continente, o desmantelamento da cultura aumentou também na Itália e, sobretudo, na Hungria, onde o anti-intelectualismo da classe dirigente, misturado a palavras de ordem abertamente antissemitas e homofóbicas, levou à substituição do diretor do Teatro Nacional de Budapeste por um mercenário do Fidesz, partido da direita nacionalista.

A esse fenômeno, soma-se outro, que gangrena o teatro há uns dez anos. Sob o pretexto de estimular as estruturas independentes, os protagonistas desse meio se insurgem uns contra os outros. Os fomentadores do teatro livre, ou off,clamam de todas as maneiras que fariam um melhor uso das somas devoradas pelas instituições públicas, fazendo, assim, sem dúvida a contragosto, uma apologia do espírito da época: nós lhes oferecemos mais arte por menos dinheiro. Não é de espantar que essa retórica fratricida encontre um eco crescente junto a conselhos municipais e dirigentes culturais. Efetivamente, o “teatro livre” apresenta uma dupla vantagem: seu nome atraente evoca a juventude, a não submissão e o romantismo, ao mesmo tempo que se presta a financiamentos de uma extraordinária flexibilidade. Na verdade, nada impede os que tomam decisões políticas de anularem suas subvenções ou de se voltarem para outros artistas.

Essa flexibilidade obriga cada projeto a ter êxito imediato, sem o qual seus autores correm o risco de se ver novamente na miséria. Ela impede ao mesmo tempo as companhias e os dramaturgos de inscreverem sua evolução artística durante a temporada. Para equilibrar seu orçamento, os artistas ditos “livres” devem sempre correr atrás de “bicos”, em detrimento de sua pesquisa. E as diversas profissões do palco (cenógrafos, coreógrafos, maquiadores, pintores etc.) estão ameaçadas de desaparecer.

Os artistas devem enfrentar um enorme desafio: dar, ano após ano, geração após geração, um novo sentido ao teatro institucional. Muitos autores não avaliam sua chance de dispor de lugares subvencionados. Como eu, a maior parte está impregnada de uma cultura de hostilidade às instituições e observa com desconfiança esses grandes palcos de prestígio, nos quais a vaidade burguesa se pavoneou durante tanto tempo. No entanto, eles nos oferecem possibilidades de trabalho e meios de produção incomparáveis para contar uma outra história da sociedade.

Certamente, continuamos a ser os palhaços modernos de uma elite que aceita que zombemos dela a fim de desfrutar o privilégio de parecer tolerante e capaz de rir de si mesma. Abandonar esses lugares significaria, no entanto, cortarmos nossas asas e facilitarmos a tarefa daqueles que sonham nos tirar o pão da boca. Após 2008, um grande número de empresas nos Estados Unidos retirou o patrocínio, muito influente, da cultura norte-americana. Os atores pagaram caro por isso.

Além das condições materiais degradadas, vivemos uma crise estética, assim como uma crise dos conteúdos. Nos últimos anos, a criação teatral aderiu naturalmente às teorias nem sempre luminosas sobre a pós-dramaturgia e a “performance”. Curiosamente, as formas inovadoras que surgiram nos anos 1970 e 1980 continuam a orientar o credo estético de um grande número de teatros públicos e festivais, ainda que nesse assunto os imitadores estejam longe de se igualar a seus modelos. Os ingredientes dessa vanguarda insossa compõem uma papa cênica que passa por modelo do teatro moderno.

A poetologia desse teatro baseia-se na ideia de que a ação dramática não é mais de nossa época; que o homem não poderia se compreender como mestre de suas ações; que existem tantas verdades subjetivas quanto o número de espectadores presentes; que os acontecimentos representados no palco não exprimem nenhuma verdade válida para todos; que nossa experiência fragmentada do mundo somente encontra sua tradução num teatro fracionado, em que os gêneros se justaponham: corpo, dança, fotos, vídeos, música, palavra... Essa imbricação sensorial assegura ao espectador que este mundo caótico permanecerá para sempre indecifrável e que não há espaço para procurar ligações de causalidade ou culpados.

Como seu homólogo socialista, esse “realismo capitalista” estetiza uma ideologia vitoriosa, e não é menos peremptório que ela. Em um mundo dominado pela doutrina neoliberal, nada poderia dar mais prazer a seus beneficiários que estes pressupostos: ninguém é responsável por nada, e a complexidade do mundo torna ilusória toda tentativa de circunscrever seus mecanismos.

Evidentemente, nem todos os representantes do teatro pós-dramático aderem a essa visão. O trabalho de algumas figuras do teatro documentário, como o do coletivo alemão Rimini Protokoll1 ou o do dramaturgo suíço Milo Rau,2 que muitas vezes beira o jornalismo, parece mais esclarecedor que a maior parte das peças montadas habitualmente. Seu sucesso ilustra, à sua maneira, a crise do teatro tradicional, que, ao se concentrar no repertório clássico, se desconectou da realidade. Pouco preocupado em fornecer ao público um mínimo de reflexo de sua vida cotidiana, o estetismo clássico se fixou há trinta anos numa piedosa reverência ao passado.

No meio desse círculo fechado, ou dessa espiral descendente, o pacto que liga o teatro às disputas políticas e sociais de seu tempo se decompõe inexoravelmente. Mesmo que o jogo se ressinta disso, os atores vão buscar suas emoções nos grandes antigos mais do que em sua própria carne. Consequentemente, especialistas da vida cotidiana mostram-se mais inspirados para testemunhar o estado do mundo do que os atores clássicos, de quem no entanto é a função.

Aí está o nó da crise. Para sair dela, o teatro deveria pensar em fornecer aos seus atores uma formação inicial e contínua. Dramaturgo no Berliner Ensemble, Bertolt Brecht demandava a seus atores que se confrontassem com o real, que assistissem a audiências judiciárias, que adentrassem nas fábricas para compreender, com conhecimento de causa, o comportamento de seus contemporâneos. Faço o mesmo com os meus, convidando-os a se inspirar em sua própria biografia e em suas observações cotidianas.

Que efeitos o temor de ser relegado socialmente produz nos semelhantes? Como a obrigação de ter êxito afeta nossas emoções, nossos sentimentos, nossos desejos? Em que medida nossa vida privada se submete ao ditame da performance? Quantos futuros se quebram pela condição social do assalariado flexível? Por que dispomos de um vocabulário altamente refinado para analisar nossas relações conjugais, amorosas ou sexuais, enquanto tão cruelmente nos faltam palavras para descrever nosso fracasso político (“sistema deteriorado”)? Por que gostamos de alardear uma psicologia de boteco? Por que não tratamos com a mesma paixão desgastes sociais que se espalham há uns vinte anos, apesar de terem graves consequências em nosso corpo e nosso espírito – horários de trabalho extensíveis, quantificação do cotidiano, obrigação de permanecer disponível para contato permanentemente, mensagens profissionais recebidas por e-mail até tarde da noite, identificação total com a empresa que me emprega, como se eu fosse casado com ela? Vemos que essas realidades penetram até nos ossos das pessoas com quem cruzamos. Como explicar de outra maneira a recrudescência de artigos da imprensa sobre as doenças do trabalho, o estresse, a depressão, a síndrome de esgotamento profissional? A infiltração do pensamento econômico nos mais ínfimos vasos capilares da sociedade moderna deforma nosso corpo, desfigura nossos afetos.


Santuário habitado por uma força regeneradora

É disso que o teatro deveria falar. É isso que poderíamos representar no palco, e com talento, por menos que alimentássemos nossa imaginação com a fonte que se acha bem à nossa volta e que nos nutre. Em minha opinião, o teatro ideal guarda a promessa secreta de abordar todos esses assuntos.

Por seu financiamento público, o teatro institucional escapa ainda da lógica da competitividade, mesmo que seja verdade que as considerações de rentabilidade estejam ganhando terreno. Talvez a sociedade retomasse um pouco da confiança em si, se ela encontrasse alguns palhaços bem ousados para lhe apresentar um espelho, recolocá-la em questão, rir dela sem parar.

O teatro poderia ser assim: um santuário habitado por uma força regeneradora, quando as indústrias dedicadas à narração do mundo estiverem atormentadas por uma exigência de rentabilidade proporcional à sua falta de liberdade – basta ligar a televisão para se convencer disso. A frustração suscitada por mídias cada vez menos independentes explica, em parte, por que tanta gente, principalmente jovens, corre para o Schaubühne com a convicção de encontrar ali um lugar onde ainda se pode atuar e pensar livremente. Um lugar onde se podem ver no palco as distorções corporais de pessoas especialistas em flexibilidade.

Ao que se soma que, no teatro, tudo se desenvolve no momento: é impossível fazer várias tomadas ou modificar a montagem como no cinema. É aqui e agora que o ator experimenta seu papel e que o espectador, como especialista de sua própria percepção, decide se quer mesmo se envolver no jogo. Em nossa existência superdigitalizada, em que o real é mantido a distância por uma tela de duas dimensões, a missão e o desafio do teatro se resumem a este momento raro em que uma ação virtual reúne toda a realidade do mundo.

Thomas Ostermeier
Dramaturgo, é diretor do Schaubühne de Berlim
Ilustração: @.liz

1Nome que designa vários artistas cujas cenografias experimentais misturam teatro e realidade.

2 Dramaturgo e ensaísta suíço que trabalha em reconstituições teatrais (reenactment) de situações violentas: guerra em Ruanda, processo do casal Ceausescu na Romênia...

02 de Abril de 2013