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terça-feira, 30 de julho de 2013

CRÍTICA - O teatro refinado da excelente literatura



A peça “Vermelho Amargo” parte do livro homônimo com elogiosa e merecida reverência. Diogo Liberano e Dominique Arantes, que assinam a adaptação do romance de Bartolomeu Campos de Queirós (1944-2012), parecem saber que, no caso desse trabalho, há pouco para o teatro fazer que não curvar-se. Escrito um ano antes de seu falecimento, o livro ratifica o pertencimento do escritor mineiro no grupo das grandes letras brasileiras, ele que é mais conhecido por suas obras infanto-juvenis. Em “Vermelho Amargo”, ao longo de sessenta páginas, o leitor tem outro tipo de literatura: trata-se de um conto alargado, cuja estrutura é vertical e bastante lírica, nas quais o narrador protagonista desvenda suas memórias em relação à mãe. Interpretado por Daniel Carvalho de Faria, por Davi de Carvalho e por Liberano, dirigidos pelo último com assistência de Arantes, a peça é uma boa viagem através das imagens, das texturas, dos sabores, dos cheiros e dos sons de Queirós, que resulta num todo harmônico, potente e bastante rico. Em cartaz na Sala Multiuso do Sesc Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro, o espetáculo vale a pena ser visto sobretudo por homenagear um autor bastante importante cuja obra é tão fundamental. 

O erro que normalmente acontece com adaptações de Caio Fernando Abreu e de Clarice Lispector não aconteceu aqui (como recentemente também não em uma peça a partir de um conto de Ronaldo Corrêa de Brito). Assim como é possível enxergarmos um certo “exagero de teatralidade”, que acabam por se tornar assinaturas estéticas de certos encenadores (Bob Wilson, Gabriel Villela, João Falcão, Zé Celso, por exemplo), também alguns escritores têm uma caligrafia literária muito peculiar. Em “Vermelho Amargo”, as palavras que constroem as frases são ganchos sensoriais bastante fortes: o gosto, o som, a textura das coisas se engendram construindo significados muito ricos, porque muito delicados. Ele escreve como se esculpisse detalhe por detalhe, deixando o texto exigir um tipo de leitura que deve ser atenciosa, lenta, paciente. Daí o mérito da humildade de Liberano e de Arantes em trazer para o palco essa estrutura que, na sua atualização primeira, já é pesada. Há pouco movimento, quase nenhum gesto, os tons de vozes são baixos, as entonações regulares, os olhares próximos do neutro. No palco, uma vastidão vermelha dá lugar para o branco (Bia Junqueira), enquanto o narrador veste cores escuras (Julia Marini), a trilha sonora é repetitiva ao ponto de desaparecer (Felipe Storino) e a iluminação (Daniela Sanchez) é sóbria. Positivamente, tudo se curva para a força das palavras e, nessa reverência, torna-se grande. 

O mote da narrativa é o como a madrasta do protagonista corta o tomate. Essa imagem vai se tornando cada vez maior, porque vai ganhando mais importância sobretudo quando é lembrada a forma como a mãe já falecida tratava os alimentos. Sempre que se fortalece positivamente a imagem da mãe, fortalece-se negativamente a figura da madrasta e, nesse vai e vem, o protagonista diz de si mesmo, sua visão de mundo, de suas relações com outros familiares, com o amor. Diferente da crônica, que é um recorte horizontal, o fluxo narrativo do conto é vertical. A ênfase não está nos fatos, mas na profundidade dos acontecimentos. Daí que o modo como uma mulher corta uma fruta tem tanta valorização. Na peça “Vermelho Amargo”, o fino carpete vermelho é cortado, mas felizmente o gesto não serve como ilustração. Tudo o que acontece em cena parece funcionar como respiro para as imagens que se constroem na audição do texto, como um ballet que não canta a música da melodia, tampouco a retrata, mas dá a ver algo que, porque visto, auxilia na imagem do que é ouvido. 

O movimento da narrativa é pesado, lento e interessante e exige uma plateia atenta, refinada, com ouvidos sutis. “Vermelho Amargo”, em cada parte, enobrece o teatro quando e porque coroa a literatura. 

Por Rodrigo Monteiro

CRÍTICA - A ausência em jogos para brincar



Vermelho amargo encena uma adaptação do livro homônimo do mineiro Bartolomeu Campos de Queirós, escritor de literatura infanto-juvenil falecido em 2012, que ofereceu neste seu último escrito uma forma que não se deixa classificar facilmente em uma linha de continuidade, mas sim como uma literatura com a força daquilo que brota inesperadamente. Uma novela repleta de figuras de linguagem e de lirismo que expõe a rememoração do sofrimento causado pela perda prematura da mãe sob a perspectiva do adulto em que predomina um olhar melancólico como paradigma para uma expressão própria do mundo. O eixo narrativo está balizado pelo modo de ser da mãe, como ela se comportava e pelo que ela dizia – o que é desenvolvido em detalhes. O encontro com o poético é fundado pela relação de antítese entre o modo como a mãe e a madrasta (duas mulheres) cortavam tomates.

A novela de Bartolomeu nos aproxima (e isso não quer dizer que ele se filia) de muitas outras criações que se baseiam no movimento que o luto impõe. O modo fragmentário e fulgurante das memórias em Vermelho amargo criou a disposição para uma leitura inventiva na encenação que não procura resolver as ausentes relações de causa e efeito no texto. Lembro que no livro Ulysses de James Joyce – mais comentado do que lido justamente por sua linguagem reconhecidamente difícil – enquanto sonhava com mundo livre de Stephen Dedalus (personagem que vinha em transposição e continuidade de O retrato do artista quando jovem), fui retida pelo choque causado com o deboche afetivo de seu amigo Buck Mulligan. Este o lembrava do sentimento de culpa pela morte de sua mãe – o herói teria se negado a ajoelhar e rezar na beira do leito de morte dela. Por semanas não foi possível chegar ao senhor Bloom, presa que estava no fantasma da mãe de Dedalus enquanto ele caminhava na praia da baía de Dublin. Montei e remontei várias vezes esta sequência em meus devaneios. Talvez, esta memória retida do personagem de Joyce seja uma das causas da fragmentação narrativa e, também, da necessidade de se haver com cada detalhe do dia do protagonista Bloom em seu passeio pela cidade.

A atual encenação de Vermelho amargo, idealizada e produzida pela Companhia Aberta e dirigida por Diogo Liberano, protagoniza o lugar retido da memória, mas indicando ao mesmo tempo como a memória pode ser particularmente motivadora daquilo que nos coloca em movimento. Este lugar de retenção como princípio para a dramaticidade, nos leva à sensação de que existe uma infinidade de possibilidade para lidarmos com os acontecimentos de nossas vidas, sobretudo os marcantes. O modo como a encenação está especialmente dirigida ao público reforça o sentimento de um endereçamento, ou talvez o de uma convocação para que o sentimento de ausência seja ultrapassado, na medida que possa ser experimentado e, no caso, mais especificamente, brincado.

A narrativa de memória foi distribuída por dois personagens-meninos (Davi de Carvalho e Diogo Liberano) que alternam os enunciados poéticos escolhidos e articulados pela adaptação, realizada em conjunto por Diogo e Dominique Arantes, que também assina a assistência de direção. Daniel Carvalho de Faria faz pontuações situadas em outra temporalidade que parece criar um campo reflexivo que atravessa as outras duas expressões. A adaptação optou por duas operações básicas: o recorte de algumas tramas e a reordenação da sequência de parágrafos que, segundo Diogo, mantiveram o mote original na intenção de fazer saltar ao espectador uma trajetória de amadurecimento.

A encenação privilegia o brincar infantil a exemplo de pequenas decisões existenciais como modo de superação, ou mais especificamente, como proposição de uma soma de escolhas que dão volume à sensibilidade e à crítica do texto. A infância aparece como uma constelação de gestos que sinalizam uma perspectiva e uma forma de manipulação e de percepção do mundo distinta das formas estabelecidas e reconhecidas por nós (e podemos ler aqui, adultos) de aproximação dos objetos e da linguagem. No jogo se brinca com o mundo, e então entendemos que o jogo contém uma instância de crítica do mundo, já que destrói as formas prontas e as reconstroem de outros modos.

A estrutura cenográfica criada por Bia Junqueira se desdobra em uma mandala que tanto emprega em sua visualidade, quanto possibilita em seu manejo pelos atores uma transformação das aparências (própria do jogo infantil), traduzida na corporalidade dos atores e na plasticidade da cena. A forma é a aparência – o que pode ser visto –, é a superfície com a qual se brinca, atividade que utiliza a disponibilidade formal do objeto mais do que de seu sentido determinado, assim como o corpo dos atores que é plasmado de acordo com as superfícies de contato no momento. Mas justamente por essa manipulação transformadora não existe uma expressão de cunho positivista, talvez um remetimento aos modos com que as proposições de Lygia Clark queriam afetar o público.

Se a percepção infantil é plasmada de acordo com a materialidade, os sentidos resultantes da brincadeira não são definitivos, se dão a cada momento, a cada novo brincar, a cada novo esconderijo. A relação da infância com a história (com o transcorrer dos fatos/coisas) não é a de uma sucessão ou de acúmulo, mas de instabilidade que gera renovação de sentidos atravessados pela experiência corporal com o material. A consciência ativada é imaginante, o sujeito não está separado do objeto. Assim, os atores se desvelam junto ao objeto por meio de imagens que produzem.

Tal intenção formaliza uma atuação de vigor poético em que a linguagem é manifesta nos gestos, como se ela pertencesse à própria matéria do brincar, dos objetos, dos corpos, ao mesmo tempo em que nos oferece sua invisibilidade. O que se revela como invisível se instala pela própria prosa poética que transita pelos dois atores como expressão imaginativa e como aspereza, ou em uma espécie de atrito com as palavras em sua concretude. Outra alusão ao que não se pode tocar, mas que formaliza o luto, é o movimento nervoso, rápido, que tenta ganhar um ponto de fuga, que tenta uma saída – um desfazimento que enfrenta o sensorial.

Dinah Cesare é teórica do teatro, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (EBA- UFRJ) dentro da Área de Teoria e Experimentações em Arte na Linha de Pesquisa Poéticas Interdisciplinares e mestra em Artes Cênicas pela UNIRIO.

Por Dinah Cesare

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Última Semana no Espaço Sesc


CRÍTICA - Subjetividade com recortes oníricos


Subjetividade com recortes oníricos

O romance de Bartolomeu Campos de Queirós, que deu título e originou a montagem em cartaz na Sala Multiuso, é traçado em imagens afetivas com sabor de colorido simbólico e fatiada em cortes oníricos afiados. O percurso das palavras do autor para reaver sentimentos, como o de perda da infância, o desaparecimento da mãe, o esfacelamento dos laços fraternais e a distância paterna, é temperado pelo fruto sangrento da solidão e da passagem do tempo. Nesta imersão em lembranças e subjetividades ressalta o lirismo levemente ácido de uma literatura confessional que Diogo Liberano adaptou e dirigiu, capturando o aspecto imagístico da literatura para estabelecer a conexão narrativa. A versão teatral do romance procura criar uma poética cênica, em que o literário se inflexiona como figura, deixando o dramático em segundo plano, em favor da construção da palavra desenhada. O trio de atores – Daniel Carvalho Faria, Davi de Carvalho e Diogo Liberano – estabelece diálogo com a interpretação como traço, esboço para dar forma ao dito, sem emprestar-lhe intencionalidades explícitas. O que se apropria da escrita é o seu contorno físico, próximo ao sensorial, convertida em forma e movimento que desloca o eixo da ação interior para desdobrar, em abstrato, as camadas narrativas. Neste sentido, a cenografia de Bia Junqueira funciona como uma coautoria com a direção. O piso vermelho, que de início recobre a cena, se revela uma mandala de círculos concêntricos, que se transforma em parangolé. Outra camada do piso fica a descoberto, em seguida, quando se avolumam arestas para que, ao final, surja um quadro ilusório. Mais do que um impactante efeito estético, uma inteligente leitura visual do texto. 

Por Macksen Luiz
 

CRÍTICA - Panorama afetivo distante da linearidade

 
Davi de Carvalho e Daniel Carvalho Faria em Vermelho Amargo (Foto: Anna Clara Carvalho) 

Bartolomeu Campos de Queirós não é biografado na dramaturgia de Vermelho Amargo, que, liberta de uma concepção convencional pautada pelo encadeamento linear dos fatos, evoca o doloroso confronto com as emoções infanto-juvenis atravessadas pela morte da mãe. O desafio da encenação de Diogo Liberano está em materializar no palco a carga poética do escritor mineiro.

Como atores, Davi de Carvalho e o próprio Liberano procuram dimensionar o modo como Queirós se apropriou dos acontecimentos no momento em que os estava experimentando, instância entrelaçada com a de Daniel Carvalho Faria, que se refere às vivências já administradas devido ao distanciamento temporal. A determinação em fazer jus à intensidade das experiências levou ao investimento numa cena algo expansiva, excessiva, perceptível na movimentação dos dois primeiros atores e na quase onipresença da trilha sonora de Felipe Storino que potencializa o universo do escritor para além da mera esfera cotidiana.

O mundo de Bartolomeu Campos de Queirós não é transportado de forma óbvia, literal. Bia Junqueira projetou uma superfície que, desvelada no decorrer da encenação, revela um material que remete ao caráter lúdico da infância, perspectiva tensionada na escrita do autor, de travo amargo. A instigante criação cenográfica pode suscitar no público um desejo de proximidade maior em relação à cena, por mais que o espetáculo esteja sendo apresentado em espaços intimistas (a Sala Multiuso do Espaço Sesc e, em breve, o Teatro Eva Herz) e que as marcações privilegiem a disposição frontal. A iluminação de Daniela Sanchez inunda o palco com a passionalidade do vermelho sem perder de vista a individualização de cada ator. Os figurinos de Julia Marini oscilam entre certa abstração (roupas feitas de retalhos de panos) e a concretude (traje próximo do dia a dia), demarcando os patamares distintos nos quais se encontram os atores.

Apesar de reunidos no mesmo plano, Davi de Carvalho e Diogo Liberano não seguem exatamente um registro interpretativo equivalente. Enquanto o primeiro imprime um acento poético, o segundo atrita, de maneira interessante, com a refinada construção literária da obra ao optar por um tom informal. Em nível discreto, Daniel Carvalho Faria contrasta com a agitação física dos outros atores e aborda o texto por via mais serena.

Por Daniel Schenker

segunda-feira, 8 de julho de 2013


Segunda, 8 de Julho

Simone, Bayron, Regina, Felipe, Ricardo, Rafael, Berenice, Lucas, Luiza, Maria, Raquel, Bruna, Diogo, Davi, Daniel.

Após as devidas apresentações, falamos de Bartô e sua obra, do processo de concepção do espetáculo Vermelho amargo e de como serão nosso próximos 04 dias de encontro e investigação.

O presente de Vera Holtz (várias obras do Bartô) foi colocado no chão e degustado por todos. Cada participante escolheu uma obra e levou para casa, junto com o texto A Morte do Autor, de Roland Barthes.

Começamos nossa oficina Dramaturgia Cênica! Bem vindos!

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Segunda, 1 de Julho

Muito a resolver
Hoje montagem de luz e cenário
Ajustes finais do figurino
Quinta versão do textomfechada
E impressa
Convidados
Ensaio e mais ensaio, sem essa
Até a sexta estaremos buscando
A poesia do Bartô
E mesmo depois
Me pergunto
Como desdobrar poesia
Diariamente?
Pela frente
9 semanas em cartaz no Rio de Janeiro

Que seja uma viagem boa
E longa
Será.
Vai ser.
Há de ser.

Vamos juntos.