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domingo, 21 de abril de 2013

3, 4 e 5

Nestes ensaios, encontramos duas coisas que considerei alicerces para a encenação que estamos buscando: 

1. A noção de duplo entre Daniel e Davi: gosto de pensar que os dois atores, os dois performers, apesar de distintos, diferentes, executam a mesma função. Estão os dois a destilar o vermelho amargo sobre o espaço branco (da encenação). No entanto, lá onde um cessa o movimento ou a fala, por não conseguir, o outro permite que a ação continue. Um é extensão do outro. Um pulo de um alcança pelo corpo do outro altura distinta, maior, ainda mais possível. Juntos e diferentes os dois se aumentam, um pelo outro, se estendem. Não há rivalidade, não há intriga nem drama entre os dois. São dois porque são um só. Dois atores num jogo mútuo de perda e construção.

2. Sobre como falar esse texto: a princípio, é preciso limpar as formas de falar. É preciso falar. Sem antes nem depois, sem intenção nem mistério. Tudo é claro feito conversa de bar, conversa cotidiana. Tudo é limpo e sem excesso. É falar. Abrir a boca e dizer, sem se condenar pelas ideias, desejos, vontades, memórias e teatralidades. Não há linguagem, há língua destemida cortando o ar e flechando palavras. A palavra traz em si muita coisa (não precisa de mais acompanhantes). Depois, lá na frente, só depois, faremos delas algo mais, algo menos, mexendo sua vibração descortinaremos outros sentidos possíveis. Mas por agora é ser curto e grosso. As palavra, Davi, terminam nelas não nas reticências, não nas exclamações. As palavras acabam em si próprias, o resto é invenção.

Pergunte-me muito sobre qual era a relação com as lembranças. Como o menino vê aquilo que o autor revela? Como o homem (já mais próximo do autor) enxerga as mesmas coisas? Precisamos sublinhar todas as dores ou tais dores podem ser apresentadas de maneiras distintas, por olhares diferentes (o do menino, o do homem, o olhar do ator?).

Quais os fios da narrativa? Do que se fala? Improvisamos com lugares dados (onde: quarto/corredor + quem: o menino/o homem + o quê: a tentativa de recriar relação com... + quando: após 1 cigarro/antes do café da manhã).

Nos saltaram alguns pontos durante experimentações feitas em sala de ensaio:

- visualizar o espaço de ontem e o de agora;
- ao brincarem o duplo, percebe-se aquilo que escrevi no meu caderno: quase uma anulação da consciência individual em prol do duplo de si mesmo;
- muito importante a descoberta dos meninos no trecho em que o autor fala da ida para a escola e das descobertas decorrentes: Davi e Daniel se abraçaram, como se tivessem descoberto a si próprios: A MATRÍCULA NA ESCOLA COMO O ABRAÇO EM SI MESMO.

O texto tem que ser ação, puro acontecimento. O espaço vazio receber o gesto, a forma, o movimento e permite que nele tudo isso se grave. Com tinta invisível, o espectador vai montando o espaço, o lugar, a memória.

Sobretudo, saber que os atores são autores e que não há representação, mas sim presentação!

Composições, novas descobertas --- Daniel esmiúça o drama, Davi se coloca por cima. Como podem os dois atores se contaminarem com o ponto de vista do outro?

Dominique trabalhou alguma fisicalidade, o corpo como start da dramaturgia. ATURDIDO/PARTIDA. Trabalhamos o percurso, a criação de gestos e a topografia. Usamos num mesmo gesto diferentes trechos do romance. E então, os meninos nos brindaram com suas composições a partir de suas respectivas mães:

DAVI caixa preta cadeira cubo preto gaze nudez O CORPO FICOU VERMELHO DE VERGONHA OU DE PRESENÇA pequenos gritinhos o corpo cheio de vermelho COBRIR O VERMELHO DO CORPO COM A GAZE porque descobrimos que o vermelho está no corpo.

DANIEL camisa branca furada mais que isso dilacerada na altura do coração proximidade olhos fechados foto da mãe junto (acidentalmente?) a um cupom fiscal NA FOTO CHAPEUZINHO DE FESTA E GRAVATA ele no colo da mãe? OS OLHOS DELE SÓ ABRIRAM QUANDO A CONSCIÊNCIA CHEGOU, A CONSCIÊNCIA DA PERDA ele nos chamou VEM CÁ...

Adiante ---

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