Foi preciso deitar o vermelho sobre papel
branco para bem aliviar seu amargor
concordo. trata-se, não de uma epígrafe, mas sim de uma advertência. o romance que se apresenta após esta abertura é saldo da tentativa - do autor - de aliviar o amargor que sua história (infância) guardava.
foi preciso deitar a mãe morta sobre o papel do livro para diminuir a dureza de sua perda. porém, ao mesmo tempo em que se alivia o amargor, se tatua no papel esta possibilidade: se eterniza o amargo, feito tatuagem.
como diz barthes em seu "a morte do autor": ao escrever seu romance, campos de queirós o perde para o mundo, para todo e qualquer um que o possa ler. e ao perdê-lo, ao mesmo tempo, o multiplica. a dor da perda da mãe se eterniza pois a todo o instante - em algum lugar do mundo - é vivificada pela leitura.
morre o autor para que a obra possa viver. mas conserva-se (mantendo a obra em vida), a persistência da falta.
talvez - eu suspeito - bartolomeu tenha nos feito crer que desejou aquilo que não desejou. ele não quis aliviar o amargor. ele quis cravá-lo de forma irrevogável na pista do tempo. será para sempre amargo este vermelho, desde que seja lembrado, lido, mirado.
afinal, é o autor quem escreve, logo nas primeiras linhas, que é difícil começar um dia sem mentiras. a mentira é útil para sobreviver ao mundo fora dos trilhos. mentir é uma forma de se fazer ainda vivo. sem moralismos. sem ciência nem religião. a vida se confunde com a sua recriação (feita pela poesia).
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